terça-feira, 28 de abril de 2009

Como Saltimbancos

Cheguei, alguns minutos depois da hora combinada, ao ponto de encontro, a Outurela na manhã deste Domingo. Tinha um bom pretexto para disfarçar os dez minutos que gastei em preguiça. O telefonema do Fábio, que tive de atender enquanto conduzia. Voltou a dizer-me que tinha ficado surpreendido com a estreia, de tal modo que fazia questão de mostrar a peça, na cidade onde vive. Não duvido que haveremos de descobrir um dia para ir à terra do Fábio mostrar o que nos dá Luz. Antes de desligar o telefone, já com o cenário de partida montado, sugeri-lhe que voltasse a pisar o palco. Na temporada passada, a da minha estreia no teatro, vi-o no palco, iluminado pelo olhos de Sofia e ela pelos dele. O Teatro está à vossa espera.
Depois do "Bom dia" a toda a trupe, transferi os meus adereços e guarda-roupa para a camioneta que nos haveria de transportar até São João da Ribeira, no Cartaxo. À falta de condutor, incumbiram-me de tal responsabilidade. Pensei no ditado que diz: "Devagar se vai ao longe". E assim fomos, seguindo a outra camioneta que transportava o cenário e os artistas que o construiram durante meses, o Paulo Jorge e o David. Conversámos de tudo um pouco. Houve quem cantasse de tudo um pouco. Quer dizer, o Diogo e a Daniela, protagonistas das cantigas, andam mais virados para o Kuduro. De repente, dei comigo a olhar o retrovisor e a senti-los como uma família. Ao fundo, os mais novos cantavam. A meio e à frente, os mais velhos conversavam. E como chefe de família, afinal era eu que ia a conduzir, tive de lhes chamar a atenção, não fossem ficar afónicos de tanto cantar e falar. À chegada, esperáva-nos o anfitrião Rui Moreira.
Em pouco mais de uma hora, montámos o cenário e prepámos os camarins improvisados. Tempo suficiente para nos sentarmos à mesa e petiscar as iguarias que nos tinham preparado, acompanhadas pelo famoso tinto da zona. Depois do repasto, nada melhor viria a calhar do que uma sesta. Ideia que rápidamente se dissipou quando olhei o megafone. O anfitrião tinha um megafone. Corremos para a camioneta com o megafone e fomos, do café ao restaurante, da horta ao pelourinho, anunciar o Teatro. Sem estar à espera cumpri um sonho. Pegar num megafone e levar a boa nova pelos arredores, como tantas vezes vi fazer. Foi assim que, há poucos dias, soube do circo que se instalou perto da minha casa. Vi muito nesses 30 minutos. Vi uma senhora a enfiar a cabeça no curto espaço que havia na janela, o estore estava a meio, muito surpreendida. Não há como esquecer a admiração estampada na face dessa senhora que usava óculos de lentes grossas. Imaginei-a a questionar: Mas que diabo quererá esta gente? Vi os velhotes que jogavam, provavelmente, à bisca lambida a soltar gargalhadas depois de ouvirem o Diogo, repetidamente, a dizer: "Hoje, às 5 da tarde em S. João da Ribeira, grande comédia de Júlio Dinis, as Duas Cartas. Venha ao teatro, a sueca que fique para depois". Vi, junto ao café central, dois ou três Homens a correrem para o exterior colocando-se a jeito de escutar o que a Marta improvisava pelo megafone: "Dois homens, duas cartas, um destino. Hoje, às 17 horas numa grande comédia de Júlio Dinis. Não Perca". Vi muito, não apenas fora, mas também dentro das camioneta. Chegou a hora. Avançamos para o palco. A plateia estava quase cheia. O sol encarregou-se de ocupar o espaço livre. A expressão de cada um dos espectadores estava perfeitamente visível. Enquanto dava a contra-cena arrisquei espreitar a plateia. Alguns olhavam a cena com muita atenção. Senti-me mais forte pela partilha. Sim por que, queria sentir-lhes o olhar de forma a descurtinar se estariam a receber o que lhes tinhamos para dar. Eu, pelo menos, já tinha recebido muito, mesmo antes dos aplausos. No regresso, a Isilda fez-me companhia no banco da frente da camioneta, enquanto conduzia. Falámos de Teatro o tempo todo. De projectos futuros. Sonhámos ter uma sala só para nós, nem que fosse apenas durante 1 mês por ano. Sonhámos poder criar condições na nossa sala de ensaios da Outurela, de forma a receber espectadores. Até que, num ápice, chegámos ao ponto de partida. O vento da noite estava tão frio como o da manhã. A Família separou-se. Mas volta a juntar-se no próximo domingo. Hoje, madrugada de terça-feira, se me incomóda faltarem ainda cinco dias para voltar a conduzir a camioneta que transporta a Família, desta vez a sul, reconforta-me saber, disse-me o Mouzinho esta tarde, dessa senhora de São João da Ribeira, que ontem viu Teatro pela primeira vez na vida.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Fazer de mim

Estrearam-se no Teatro, esta noite de 21 de Abril, o Alexandre, a Daniela e a Marta perante um auditória cheio de amigos. Não houve lugar sentado para todos. Muitos ficaram de pé, nas coxias ou numa qualquer nesga de espaço onde os olhos pudessem chegar ao palco. Também eu já olhei o palco e bem mais vezes do que o pisei. E ao olhá-lo vi-me nele. E ao pisa-lo senti-me mais perto de mim. Sim, claro que já ouvi a célebre frase de que o actor está mais perto do personagem quando tem a capacidade de abrir as suas gavetinhas e emprestar, ao personagem, as emoções que por lá andam perdidas. Sem estar à espera, creio que senti isso mesmo na minha estreia, há um ano atrás, neste mesmo espaço. Senti-me, por breves momentos, perdido em mim, alheio do palco. Momentos que registei para sempre. Foram dos mais importantes na minha vida! Um ano depois e a poucas horas de estrear a peça deste ano dei comigo a pensar, na azáfama do camarim enquanto despiamos as roupas do actor e vestiamos as do personagem, que o Teatro parece ser, acima de tudo, um caminho que me conduz a mim mesmo. Um caminho que permite despir-me dos personagens que, inconscientemente, encarno todos os dias, para vestir-me de mim e, assim, estar mais perto dos que comigo ali estão, no palco e na plateia. Sermos o que somos. Tarefa difícil, por muito estranho que nos possa parecer. Têm-me dito que tenho jeito para isto do Teatro. Desconfio que não seja verdade. Não por que não confio neles mas, talvez, por que ache que não tenho, isso sim, muito jeito para fazer de mim.
PEÇA: "Duas Cartas" de Júlio Dinis com adaptação da actriz e encenadora Isilda Paulo.
LOCAL da ESTREIA: Aud Lourdes Norberto, no Âmbito da Mostra de Teatro de Oeiras 2009.
GRUPO DE TEATRO: Artes Cénicas Ass. 18 Maio Outurela