quarta-feira, 20 de maio de 2009

Nós

Dewasa-Sabes o que me apetecia estar a fazer neste momento, amor?
Anak-Não. O quê?
Dewasa-A fazer isto mesmo. Estar aqui ao volante contigo a caminho do Teatro, de qualquer teatro, a partilhar o momento com os nossos amigos. E à chegada ao lugar desconhecido, dar-me aos que querem estar connosco.
Anak-Mas fico com medo!
Dewasa-Não fiques com medo meu amor. Estou aqui contigo. Gosto muito de ti.
Anak-Achas que vamos ficar tranquilos.
Dewasa-Claro que sim.
Anak-Acho que não.
Dewasa-Gosto muito de ti, meu amor. Confia em mim.

Estava a começar o fim de semana perfeito. Era o que sentia. Três dias, três espectáculos, três localidades, três plateias de gente diferente, a trupa habitual, a festa de sempre. Sentia-me como peixe na água. É muito bom ter tido consciência seja lá do que for, mas disto também. disto. Mas, seja lá do que for.
Cada qual dá que pode, seja no palco ou na plateia. No primeiro dia, estavam pouco mais de trinta espectadores. Eram poucos mas bons. Reagiram adequadamente em cada momento da peça. Isso puxa por nós.
No segundo dia, já noutra localidade, os lugares ocupados na plateia aumentaram para mais do dobro. O ruído do público por razões alheias ao espectáculo, cria quase que uma fronteira entre o que é suposto estar lado a lado.
No terceiro dia, por onde passa o rio que em tempos se chamou Ota, batemos o recorde de espectadores. Perto de duas centenas. Sessenta dos quais fazem da vida uma actividade intensa, seja a fazer teatro, ginástica, caminhadas ou a cantar. Senti-me muito honrado com a sua presença no nosso espectáculo e também com o convite que nos fizeram para nos juntarmos à sua festa. Adorei as histórias do professor Guapo acompanhadas pelas pataniscas da dona Vanda regadas com o vinho caseiro do senhor Mário. Sai do Teatro com uma garrafa de boa pinga, em cada um dos braços.

Dewasa-Poderiamos ter tido melhor fim de semana?
Anak-Se calhar, sim.
Dewasa-Não.
Anak-Porquê?
Dewasa-Por que, tu e eu, nos sentimos muito bem e não pensamos em mais nada! Amo-te, meu amor. Confia em mim.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Amar

A palavra Amor ecoou na sala. Eu entrei. A buzina tocou acompanhada de um aplauso. Um aplauso que não sei se mereço. Conheci o sopro que a fez produzir o agudo Dó, ou talvez um Mi. A buzina tocou, tocou-me no coração que batia mais do que habitual, não apenas pelo respeito que o palco merece mas, também, pelos restícios da noite cheia. Cheia, de Lua, mas também de nós os três. Simplesmente os três. Começámos por degustar temaki de Salmão, passámos pelo sushi, pelo brinde ao motivo que nos juntou, pelo sashimi, pela partilha do momento tranquilo. Preciso de estar tranquilo. Disse-lhes que me sinto amigo delas. E fomos, levados sem destino nesta noite cheia, de Lua, mas também de nós os três. E de repente, estávamos a dançar no bar do João. Não o vi, mas ele estava lá. Da última vez que me cumprimentou, com a cortesia e o sorriso de sempre, revelou-me que andava na luta. Mas a doença venceu-o. Bebi a Sagres preta, tão fresca quanto as dezenas que me serviu, em sua homenagem. A única vez que vi o João fora do bar, foi no Mercado da Ribeira, creio que num domingo à noite, certamente que há mais de dez anos, numa feira de alfarrabistas. Ia com a mulher e com a filha que teria, por essa altura, uns oito anos. Esqueço-me de tanta coisa, mas esta imagem continua cá. Por que será? Pela serenidade com que olhava os livros, ao lado da Família? Já sei, talvez seja pelo Amor que lhes parecia ter. Ele que viu muito Amor acontecer à frente dos seus olhos, ao som de Janis Joplin.
"Mercedes Benz" voltou a tocar nesta noite, como sempre, às quatro em ponto, depois de termos dançado, os três, sem parar. E como se não bastasse, deixámo-nos conduzir pelos nossos corpos rumo ao número sete das Escadinhas da Praia. A primeira vez que lá fui teria uns vinte anos. Foi há vinte anos. E continuámos a dançar até cair. Até cairmos num saboroso Caldo Verde e demais acessórios. A noite cheia, de Lua, mas também de nós passou a voar. Partilhámos, os três, um abraço de despedida. No início do momento tranquilo, nove horas antes, calculei, mal, que iria regressar cedo a casa. Se bem que, de certa forma, foi o que aconteceu, cheguei à hora a que muitos se levantam. Dormi cinco horas e segui para o ponto de encontro da trupe. A ressaca ainda não tinha tido tempo de chegar. Agarrei o volante da camioneta, e conduzi a trupe à santa terra. O Teatro começou cinquenta minutos após a hora marcada, para que o digníssimo senhor presidente da junta não perdesse pitada. E não perdeu. Até a surpreendente buzina acompanhada por um aplauso que não sei se mereço, ele escutou. A buzina tocou, mal pisei o palco. Conheço o sopro que a fez produzir o agudo Dó, ou talvez um Mi. A Buzina tocou, tocou-me no coração que batia mais do que habitual, não apenas pelo respeito que o palco merece mas, também, pelos restícios da noite cheia. A ressaca tinha chegado uns minutos antes. Tive até medo de desmaiar no Palco, de tanta fraqueza que tinha no corpo. O toque conduziu o meu corpo até ao Minuete. E chorei, nesta data querida, com quarenta Rosas abraçadas ao lado esquerdo do meu peito. Foi uma tarde cheia de nós.
"Quanto mais penso na minha situação actual, mais me capacito que a sociedade 1º de agosto santairense é um local encantado, povoado de família: A família-família, a família-amigos e a família-teatro. Não poderia ter festa melhor. Espero que, tal como em "As Duas Cartas", o AMOR prevaleça em mim e que tudo vença", disse à família, usando algumas palavras do personagem que faço nesta peça, João de Sousa.
É o que espero dos anos que me restam. AMAR.
PS: Não me posso esquecer que a caixinha de música "free as a wind" só funciona se lhe rodar o manípulo.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Teatro à beira da estrada

O Teatro seguiu em direcção ao Mar. Tive a esperança de o olhar, nem que fosse de esguelha. Mesmo que a direcção fosse outra, seria impossível não senti-lo, não apenas por que circula em mim, mas também por que o calor não parava de apertar. Olhá-lo, seria como que ter a capacidade de abrir o vidro da janela do lado do condutor, o meu lado, que também havia resolvido ir de fim de semana prolongado. Na Volta da Pedra, apontei a camioneta no encalço do Mouzinho e da Isilda que, mal nos avistaram, levantaram convictamente os braços, não só para nos indicarem que ali estavam mas, também, num gesto de boas vindas. Segui-os, abstraindo-me do caminho. Se quisesse repeti-lo, certamente que me perderia. O sinal do pisca esquerdo do carro que nos rebocava, juntamente com o braço do Mouzinho fora da janela, sorte a dele que não lhe deu mini-férias, anunciou a chegada. Se estivesse na América, diria que tinhamos chegado a um qualquer motel na Route 66. Quem sabe se um dia aterramos algures entre Chicago e Los Angeles para exibir, à beira da estrada, a peça Duas Cartas de Júlio Dinis ou qualquer outra obra de um autor Português. Estás a alucinar, estão agora a sussurar-me ao ouvido. E não será isso uma prática comum, questiono de volta. Afinal, cada qual vive a sua ficção. Menos razoável será viver a alucinação dos outros. Estou a tratar de ser razoável.
O cenário já estava montado, entre o palco e a plateia, e as cadeiras de plástico alinhadas com optimismo. Havia lugar sentado para mais de uma centena de espéctadores. Apareçeram pouco mais de vinte. Alguém me disse que a Figueirinha estava como os transportes públicos à hora de ponta. Correria habitual quando Surya, o Deus do Sol, ri às gargalhadas. Agradeço a Nataraja, o Deus das Artes e das Danças, por ter conseguido negociar com Surya, cerca de duas dezenas de pessoas. Nada mau, tendo em conta a conjuntura. Houve até alguém que disse que era dia de ensaio corrido.
Já na pele de João de Sousa, ou quase, reparo que a faixa do fato do outro João de Sousa cai, ficando pendurada na parte de trás das calças. Situação embaraçosa que me fez desviar o olhar. Confesso que foi difícil disfarçar a vontade de rir.
E quando Luisa perguntava- "é a primeira vez que vem ao Porto"- e João de Sousa respondia "é, é a primeira vez e estou muito contente com a cidade, pensava que iria ser mal recebido mas afinal estou encantado, é encantodora"- reparo numa velhota, de tamanho considerável e com dificuldade de locomoção, a retirar-se perseguida pelo marido. Estava na hora de preparar a janta, sei de fonte fidedigna. O que é perfeitamente compreensível, afinal não deve ser fácil manter tamanha estrutura física.
A hora e quarenta passou depressa. Depressa arrumámos o cenário, o guarda-roupa, os adereços. E depressa nos sentámos à mesa, para partilhar, não só o choco frito mas também as diversas incidências. À saida, do outro lado do asfalto do Teatro à beira da estrada, um cavalo, uma égua e um potro despediam-se de nós. E lá ao fundo, sem que fosse necessário desviar o olhar, Surya e Nataraja estavam de mãos dadas junto ao Mar. Mais do que a esperança de olhar o Mar, passei a imaginar-me, a imaginar-nos, eu e os meus amigos do Teatro, de frente para ele, a partilhar os desenhos que Surya e Nataraja coloriam em tons laranja, em frente à Praia de Alfarim, ao mesmo tempo que os pescadores arrastavam as redes como podiam, sem tirar os pés da areia. Os mesmos pescadores que, pelo menos uma vez, me ofereceram peixe. Disseram-me para fritar as cavalas. Assim fiz, e regalai-me juntamente com a Sofia. Em Portugal as cavalas, no limite, serão aproveitadas na indústria de conservas. No Japão é um peixe apreciadíssimo, seja cozinhado ou crú (sashimi). Creio que foi nesse mesmo dia que apanharam, na rede, uma tartaruga quatro vezes maior do que a mesa da sineta e do cinzeiro que faz conjunto com o nosso cenário. Sopa de tartaruga é uma delícia, alguém anunciou. Felizmente que, da mesma forma que me deram cavalas, ofereceram mais um tempo de vida aquele belo quelônio, talvez por ser dos poucos répteis verdadeiramente amados no planeta. Espero que a tartaruga perdida tenha encontrado o caminho de volta. Já nós, só com a orientação do Mouzinho, pelos caminhos que só ele conhece, conseguimos chegar à Vasco da Gama. Havia longas filas na portagem. O tabuleiro da ponte estava carregado de luzes vermelhas. Diria que quase tantas, quantas as canções que se escutavam dentro e, certamente, fora da camioneta do Teatro, filtradas pelas belas gargantas da trupe. Chegámos ao ponto de partida. Dirigi-me para casa, fazendo porém um desvio, antes que o dia especial acabasse, para dizer à minha mãe que tinha visto Surya e Nataraja de mãos dadas, no Mar.