terça-feira, 4 de maio de 2010

Dhanêbade

No sábado fui jantar aquele nepalês. A nossa mesa estava vazia, estando cheia. Cheia do teu cheiro. O Eme reparou que não estavas comigo. Talvez por isso me tenha conduzido para a mesa que restava. Um curto percurso iluminado pelo teu odor. Esse de que sinto falta. Que me torna lúbrico, inebriado, arroubado. Talvez uma dhaulagiri sigada me alucine, pensei. Como se fosse possível que o paladar maravilhoso daquela chamuça de frango acompanhada por uma Thon tão fresca como o topo dos Himalaias pudesse fazer-te aparecer diante de mim. Repeti a dose como da nossa vez. O menu foi o mesmo. As thon é que forem em maior número. O jantar passou rápido. Três horas de conversa em muito boa companhia, mas sempre contigo em mim. Segui depois para a Comuna. O teatro de pesquisa completava 38 belos anos de arte. Nada melhor, depois de um belo jantar, senão festejar o teatro. Foi como se estivesse em casa. Um regozijo de família, mesmo não conhecendo ninguém. Gosto de sítios onde não conheço ninguém. Uma festa preparada ao momento. Fiquei a saber que, em Setembro, a Comuna promove um imperdível workshop de três meses. Quis fazê-lo em Fevereiro mas não pude por boas razões. O meu grupo, ou melhor, o grupo de teatro de que faço parte estrearia a nova peça de Brecht e Pirandello no início de Março. Uma festa como daquelas que gosto. Sem grandes cenários. Onde ninguém é igual ao do lado. Gosto de gente diferente. Que escapou à linha de montagem. Com saber alternativo. Dançámos o tempo todo. De cerveja na mão. Ou, de thon na mão se ainda estivéssemos no restaurante. Para ser perfeito, apesar de estares em mim, era lá estares. Precisei de te beijar prolongadamente em cada canto daquele espaço. Como se de adolescentes nos tratássemos, como daquela vez. Qual rei a cavalo. Queria tanto que ali estivesses para te beijar, dançar contigo, te abraçar, cheirar, rir, tocar-te, povoar de nós cada canto. Fi-lo de certa forma. Se estás em mim então fi-lo. O que está em mim existe. É real. Então fi-lo. Foi uma noite daquelas que guardo em mim. Feliz. Em boa companhia, por dentro e por fora. Dhanêbade por me sentir assim. Dormi poucas horas. Esperava-me um dia de trabalho. Um dia longo. Difícil. Andei às voltas com um telefone novo que não tocava. Pensei até que este acessório, como todos, dispensável, teria os dias contados. Afinal, para que serve se não tocava. Finalmente tocou. Mais do que uma vez, até. Mas nunca foste tu. Uma das chamadas que recebi foi da minha mãe que me quis beijar por ser seu filho. Deveria ter sido eu a ligar. Afinal o dia era da mãe e não do filho. Mas que interessa isso. O que é determinante é aquilo que representamos um para o outro. Os dias são apenas aquilo que fazemos deles e não o que é suposto fazer-se deles. Somos aquilo que sentimos. O que sinto é uma luz de cor azul.
PS: Eme, dhanêbade pelo convite que me fizeste para visitar o teu idílico Nepal. Prometo-te que um dia irei.

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