terça-feira, 1 de junho de 2010
Cântico negro
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Regio pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.
terça-feira, 25 de maio de 2010
O Palco
Reinaldo Serrano in Globos de Ouro 2010, prémio mérito e excelência a Artur Agostinho.
terça-feira, 18 de maio de 2010
Ensaio sobre um sonho
O quarto que dividia com o irmão deixou de lhe pertencer, pertencendo-lhe. O canto direito do quarto. A sua cama estava encostada à parede, à sua parede repleta de posters geometricamente colocados. Tanta dedicação. O maior dos posters era dos Kiss, que haviam lançado recentemente o sucesso “I was made for loving you”. Um canto do quarto construído ao pormenor, do qual teve de se afastar abruptamente. Sentiu perda, subestimação, usurpação. Teve de o ceder ao novo elemento da família, que viriam a ser dois, data limite para o voltar a recuperar, ainda que as férias do verão servissem de fronteira, não recuperando, porém, jamais a partilha do espaço com o irmão. Momentos difíceis que não lhe escapariam do subconsciente, ainda que fosse pelo mais nobre dos motivos, o Amor. O Amor do irmão e da cunhada que viria a resultar no nascimento de uma bebé linda. O miúdo foi afastado, abruptamente, do seu espaço, colocado num canto, como se fosse o menos importante da família, depois de tanto se ter dedicado a ela. Não queremos que te vás embora, mas o que temos para ti é aquele canto, sentiu. De tal forma que, vinte e sete depois, estas memórias lhe serviriam de base para um sonho revelador. Os sonhos que são o espelho do subconsciente. O cenário desse devaneio nocturno foi a casa, o seu quarto, cada canto desse lar. Ao chegar, no regresso a casa, deparou que estava ocupada por gente sinistra, deformada, enferma. Como se não bastasse a simples usurpação do lar que lhe pertencia, cada canto da casa estava preenchido de decadência. Uma das pessoas, uma mulher com quem nunca havia falado, tinha as pálpebras do olho direito suturadas, horrivelmente suturadas. Era a mulher do salteador. Cada qual em camas diferentes com parceiros descartáveis. Eles e os amigos que entretanto iam invadindo a casa. Como que em “Feios, Porcos e Maus” filme de Ettore Scola, 1976. Um sonho horrível, um pesadelo, ao deparar-se com estas imagens, estar dentro delas, e ainda mais sobrando-lhe apenas um canto. Ainda que fosse um canto, como já lhe havia acontecido realmente no passado e mesmo que desta vez o motivo não fosse nobre, mas nunca partilhado com gente tão sinistra quanto esta que lhe surgiu no sonho. A visão de um lar desfeito, entregue à degradação, depois de tanta dedicação.
O miúdo, agora adulto, acordou. Acordou angustiado. Fazer o luto do sonho, é o primeiro passo. Construir um novo lar é o caminho seguinte. Primeiro é preciso encontrar o cenário mais adequado. Depois é preciso vivê-lo. A sós, em paz. Viver cada canto em partilha com quem lhe faz realmente sentido. Olhando em frente, rumo a si mesmo, à sua mais profunda natureza. I was made for loving you. Kiss.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Na medida do que sinto
terça-feira, 4 de maio de 2010
Dhanêbade
PS: Eme, dhanêbade pelo convite que me fizeste para visitar o teu idílico Nepal. Prometo-te que um dia irei.
domingo, 2 de maio de 2010
Três ou quatro coisas
Não quero dizer pai biológico... refiro-me a outro tipo de pai. Um bom pai, sabes como é.
-Um bom pai?
-Sim. Um homem com cabeça, coração e alma. Um homem que seja capaz de ouvir, guiar e respeitar uma criança, e de não sufocar nela os seus próprios defeitos. Alguém que um filho não só ame por ser seu pai, mas que admire pela pessoa que é. Alguém com quem se queira parecer.
-Por que me pergunta isso? Pensava que o senhor não acreditava no casamento nem na familia. O jugo e tudo isso, lembra-se?
- Olhe, tudo isso são caganifâncias. O casamento e a familia não são mais do que aquilo que fazemos deles. Sem isso, não são mais que uma caterva de hipocrisias. Ninharias e palavreado... Esta vida vale ser vivida por três ou quatro coisas, e o resto é adubo para o campo.
Carlos Ruiz Zafón in A sombra do vento, 2004.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Eu
domingo, 25 de abril de 2010
Tenho-te
quarta-feira, 21 de abril de 2010
A palavra
Devia proteger-te. Afinal, o teu Mundo parece bonito. Mas, por que será que treme? Sendo uma questão que se te dirige, a verdade é que também me toca. Até por que sou frágil. E ela, a palavra-chave, quando vem à janela ainda mais frágil me deixa. Fico assustado. Ela quer vir à janela, como sempre quis. Mas nunca lhe dei grandes oportunidades. Eu fecho o estore para que apenas consiga espreitar sem ser vista. Mas, de vez em quando, apanha-me distraído e abre, como que por milagre, o estore e depois as portadas e faz-se anunciar ocupando toda a janela. E de repente, tudo à volta da janela deixa de se ver de tão forte que é a intensidade do foco de luz que a ilumina. Nem sei se tenho o direito de a enclausurar. Nem sei se quero. Não quero. De tal maneira que fico muito feliz quando ela me ludibria, sempre que conseguiu tamanho mérito. Fico feliz mais ainda mais frágil. É como que olhar uma criança, iluminada pelo sol, a brincar num cenário idílico. Porquê enclausura-la? Será que tenho medo que a Luz que a ilumina, de repente, se extinga? Tenho medo sim. Imagina essa criança a brincar nesse cenário idílico e de repente a Sol põe-se! O pôr-do-sol é lindo como ele só. Talvez seja por isso que a chegada da noite não seja tão assustadora. Mas imagina essa criança sem Luz, assim de repente. O cenário apesar de lá continuar, desapareceria. O calor da luz deixaria de se sentir. A frialdade do negrume assumir-se-ia. O cheiro seria diferente. Os olhos deixariam de ver, apesar de não sofrerem de qualquer afecção. A pele ganharia diferente forma. As lágrimas constipariam o cenário. A voz identificaria o sofrimento, tal era o desespero da criança por não ter quem a protegesse. Quem a levasse de volta ao lar, ao impulso, ao afecto… ao leite. Um Adamastor. No entanto, tudo está igual. O que apenas mudou foi a luz que voltará na manhã seguinte. Mas a criança ainda não sabe que tudo está igual, menos a tonalidade. Não sabe que a luz voltará ao amanhacer. Não sabe como se defender. Como encontrar o porto seguro. O Leite. Se não crescer, mesmo que o corpo se torne adulto, nunca viverá. Imagina uma mãe que não deixa o filho sair de casa para evitar qualquer oportunidade de que encontre o perigo. Enclausura-lo é mais fácil. Não o pode perder. Nada ganha. É de um egoísmo prodigioso, atroz. Para além de lhe usurpar a possibilidade de crescer, de aprender, de viver. Isto só é possível por que ela própria não é ninguém sem o rebento. Não existe, existindo. Não é livre. Nunca aprendeu a estar só, a ser capaz de metabolizar perdas ou seja lá o que for. Em consciência ninguém pode escolher tal caminho. Ou pelo menos deixar de tentar outro. A vida é só uma. Ninguém tem direito de o fazer. Não tenho direito de o fazer. Apesar de ser minha, a vida que tenho, não posso censura-la, censurar-me. Independentemente do que o futuro desenhar para mim. O futuro desenha para mim o que eu quiser. Por isso, se viver de janela fechada, o caminho será certamente decrépito, íngreme, incolor, será frio e sem odor, de frugais palavras e de comprimidos compassos. Sem emoções. Lento. Vazio. Fácil, sendo difícil. Não se ganha, não se perde, tudo se perdendo. Sem perigo aparente. Com perigo oculto. O perigo oculto é fulminante. A morte súbita não se faz anunciar ao perigo. Logo, ele não aparece. Mas esteve sempre presente, sempre a crescer, sempre a envenenar. Nem se dá pelo fim. Um percurso somítico, vil, cobarde. O percurso do medo.
Quero Viver-me de Janela aberta, escancarada. Quero tocar-me nos limites. Conjugar-me com todos os verbos. Chorar. Rir. Perder. Ganhar. Dar. Cheirar. Receber. Abraçar. Ouvir. Sofrer. Crescer. Ver. Sentir. Odiar. Aprender. Beijar. Viver-me… AMAR.
terça-feira, 13 de abril de 2010
Chorar e rir
Explicaram-me no fim que o imparável riso se devia à acção. A acção do momento em que o Artur tira a roupa à Lisa, pouco depois do actor, Artur, abandonar o seu personagem António Serra. A acção, afirmaram, convidava o simpático casal a sair da sala, uma vez que Artur despia à força a sua amante. Ela estava em risco de nudez. Para além de que tinham problemas a resolver. A sós, sem público na sala, estariam melhor. Auto-sugestão que os fez chorar a rir. Eu vi. Faltou-me jogo de cintura mais forte. Se não desfiz a acção, a verdade é que também não tive coragem, no exacto momento da acção, de lhes perguntar por que riam. Podia tê-lo feito no momento em que me dirijo, em que o Artur se dirige ao público para que sejam testemunhas da vida real, para que vejam a vida real e não uma peça de teatro qualquer, apesar da peça em questão ter sido escrita pelo prémio nobel Luigi Pirandello. Depois do espectáculo, o senhor que se ria perdidamente confessou-me que esteve quase a intervir nesse momento em que me dirigia, em que o Artur se dirigia ao público. Pena não o ter feito. Não me explicou por que apenas ficou pela intenção. Para não alterar o guião? Pena não lhe ter perguntado, no momento da acção, por que tanto se ria. No limite, daria para perceber até que ponto era a minha disponibilidade para o personagem. Ou seja, se nesse momento seria o Artur a responder ou o Jorge. Seria o Jorge a alterar o Guião ou o Artur a revelar nova faceta? Um momento verdadeiramente importante pela sua singularidade mas que soube a pouco por ter sido castrado pelo casal que não passou da mera intenção de intervir, mas também por mim próprio ou pelo personagem actor Artur por não termos ido mais além. Quero, um dia, ser capaz de me esquecer de mim, de me emprestar não apenas parcialmente ou por breves instantes aos personagens, mas de me emprestar por completo. Tenho de lhes emprestar tudo o que tenho, toda a minha história, toda a minha verdade para que tenham a vida que merecem durante o exacto momento que é suposto estarem vivos. Quero, preciso de continuar a praticar esta arte que tanto me fascina. No teatro, sinto-me mais perto de mim.
Noutra circunstância, lembro-me que também eu chorei e ri, ao mesmo tempo, quase sem dar por isso. Afinal, era realmente Alta Comédia, da melhor, num dia igual ao outro, apesar de ser véspera de Pascoa, num dia em que vi a melhor peça de teatro de sempre em Portugal, se é que a memória não me atraiçoa. Chorei e ri com a história, com o personagem que Nuno Lopes representava notavelmente na sala estúdio do Teatro que foi inaugurada há 164 anos aquando do 27º aniversário da princesa.
É isto, Alta Comédia. Quando dois sentimentos tão dispares se sucedem sem que haja tempo para se pensar nisso. Chorar porque a cena é dramática. Preciso de sublinhar que a cena pode ser dramática, ou o que quiser, no papel mas se o actor não estiver disponível o personagem não tem conflito, não tem verdade, logo não existe e tudo se perde, por que se perdem as lágrimas ou o sorriso do espectador.
Sim, sublinho que chorei. E quando as lágrimas me caíam, soltou-se um sorriso tão espontâneo que passei a perceber o que é realmente Alta Comédia. Mas sobretudo fiquei feliz por ter percebido que estava entregue a mim mesmo. A atenção estava focalizada no que queria. Até parecia que estava a olhar a realidade. Ou melhor, eu estava a olhar a realidade. A Verdade estava no meio dos personagens. Na plateia está o público. A cena foi-me buscar à plateia. Claro que sim. Aquela história tinha mais do que os dois personagens visíveis. Eu poderia ser um vizinho coscuvilheiro que havia decidido esconder-se atrás da janela, do lado de fora da casa no meio dos arbustos, a espiar tão inesperada visita do irmão de Jack, quinze anos depois de o ter abandonado. Podia ser isto ou aquilo, por que passei a fazer parte daquela história mais do que de mim mesmo. Eu fazia parte daquela história por que estava entregue a mim mesmo. Estava livre. O Homem livre é aquele que aprende a estar consigo mesmo, ou seja, a estar só mesmo que acompanhado. Eu estava só, mesmo estando rodeado de gente. Tinha decidido ir ao teatro sem companhia. Sem bilhete para um espectáculo já esgotado até final da temporada. Como em Londres, há sempre uma reserva que não se confirma. Felizmente. E Tudo fluiu. Eu, as minhas lágrimas, o meu sorriso. Pena foi quando tive de me voltar para fora, para a ficção, no exacto momento em que as luzes acenderam. Os personagens tinham saído de cena. O público fez-se sentir. As luzes foram fronteira entra a realidade e a ficção. A realidade do palco. A ficção da plateia. Preciso de voltar à realidade sempre que possível. Sim, por que quero, preciso de continuar a ver teatro. Na plateia, sinto-me mais perto de mim tal e qual como se estivesse no palco.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
--´-@
Uma artéria por onde circula o nosso fluido, a uma velocidade vertiginosa, inimaginável, ofegante.
Uma ligação secreta, invisível mas cheia de luz.
A Luz que só os teus olhos vêem, sim, os teus olhos que são os mesmos por onde olho.
Apetece-me fecha-los para sentir ainda mais as pulsações, que são só nossas.
Para ouvir o fluido a correr, o fluido que é só nosso.
A correr de uma coração para o outro.
Corre, ele corre, corre, para o coração que é o mesmo.
Sinto-te mais do que nunca, meu Amor.
Sinto-te a tocar-me o ombro.
O meu ombro esquerdo ganha vida ao sentir o toque da tua face direita.
Os sinais do teu lábio encostam-se ao meu coração.
E eles brilham para meus olhos, que são os mesmos que os teus.
Os teus sinais brilham ainda mais, nesta escuridão.
Sinto-os no meu peito. Sinto-te no meu peito.
Quero que fiques assim, só assim, no meu peito, que é o mesmo que o teu.
Ficar assim, o tempo que for preciso, sem dizer uma palavra.
Rapara no cheiro, huuuummm o cheiro do nosso fluido transpira como um campo das mais belas Flores.
Há flores em todo o lado, pelo mundo inteiro, o mundo que é o nosso.
As flores crescem, sorriem, cantam, brincam, transpiram alimentadas pelo nosso fluido.
Esse fluido secreto, sedento, sincero que faz de estafeta entre o coração, o meu e o teu que é um só.
Sinto-me numa piscina, envolto por todos os lados... envolto de ti, meu Amor!
Quero ficar assim, até voltar a abrir o olhos e ver-te a sorrir.
--´-@
sexta-feira, 2 de abril de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
Olhar o MEDO
http://linguamodadoisec.blogspot.com/2010/03/ensaio-sobre-o-medo.html
"No Teatro descobri que existem duas realidades, mas a do palco é muito mais real"
São palavras de Arthur Miller que encontrei quando pesquisava sobre a sua vida, e que escolhi para baptizar o blogue do ArtesCénicasGrupo.
Na minha estreia no Teatro, há cerca de dois anos, senti o que mais tarde viria a descobrir nestas palavras de Arthur Miller. Senti, por momentos, estar a ser mais verdadeiro em palco do que na vida. Ou quanto muito, mais esclarecido. Talvez Calderón tenha razão quando escreve que a vida é um sonho e a única coisa real é a finitude. Ouso dizer que o Palco fica no meio, por que lá abrimos os poros, como que se de vulcões se tratassem, e enchemo-lo com o que vai cá dentro. Haja disponibilidade para que tal suceda. Um fenómeno generoso para o próprio actor e consequentemente para quem nos dá a honra de nos vislumbrar da Plateia. Arriscaria até a dizer que o personagem sabe mais do actor do que o próprio actor de si mesmo.
O encenador Rui Mendes disse numa entrevista que o actor tem a possibilidade de fazer em Palco o que não pode fazer no dia-a-dia. A esta frase, eu acrescentaria o verbo ser. O Actor é em palco o que tantas vezes esconde na vida. Ou ainda, o actor descobre em palco o que nem sempre descobre na vida, a não ser que tenha a pertinência de se percorrer, de olhar para dentro, de conseguir estar em silêncio, mesmo que acompanhado. E para isso é preciso coragem para enfrentar o MEDO que surge quando se decide fazer tal percurso. O MEDO que é exclusivamente fruto das nossas mentes.
Do teu texto tão belo, claro e magnificamente escrito, e em relação ao meu desempenho, apenas consigo confirmar a minha postura séria e empenhada. Por que é desta forma que encaro o Teatro. Estou sempre ansioso pela chegada dos dias do espectáculo. Quanto às restantes palavras, registo tudo para que, nos dias de dúvida, as possa reler de forma a nunca desistir. Mas permite-me ainda que as comente da seguinte forma. O Mundo é conforme o vemos. Cada um vislumbra-o de forma diferente e com distintas totalidades. O que viste no sábado está sobretudo em ti. Encontras-te, na peça, a tua cor. Há quem encontre cores diferentes da tua. Há quem encontre até cores desagradáveis. Há quem não encontre qualquer cor. Diria que esta última é a que nos convém menos. Sobretudo, estamos ali para contar uma história que só é passível de ser contada se o actor tiver disponibilidade para gerar conflito na sua personagem. Se isto acontecer, em principio, os espectadores encontram as suas cores, despoletando-lhes emoções, sejam lá quais forem.
Como disseste, mal nos conhecemos. Creio que nos vimos apenas 3 vezes na vida. Fico muito feliz por saber que viste na nossa peça essa cor forte, positiva e cheia de vida que usaste para escrever tais palavras. Palavras que surgem de ti.
Um Abraço,